O Sr. Anibal Brandão cultuava há décadas a imagem de recatado viúvo e homem recolhido. Foi com perguntas sem respostas e algum assombro que os conhecidos e, principalmente, os familiares e amigos próximos acompanharam a sua brusca transformação. Repentinamente ele estava expansivo e ativo participante das rodas de conversa onde elas estivessem formadas. Todos observavam e calavam ante a falta de resposta para aquela mudança de comportamento. Não tardou muito para que a verdade aparecesse: uma jovem moça entrara na sua vida.
O Sr. Martinho Badeca, um dos amigos mais próximos, via apreensivo o amigo sentar nos bancos da Praça D. Feliciana, de mãos dadas com a aquela jovem que tinha idade de ser sua filha. Respeitosamente guardou em silêncio a sua estranheza, enquanto esperava o momento certo para abordar o amigo.
Certo dia, Seu Anibal se chegou para uma conversa. E quando falou da nova situação, Seu Martinho se manteve em absoluto silêncio. O olhar distante, a mão esquerda pousada sobre o peito e a direita deslizando suave e lentamente sobre ela, como sempre fazia quando ouvia algo que o preocupava. Ouviu atento e impassível o amigo Anibal desfiar as suas razões:
-O amigo velho é testemunha que sempre respeitei a memória da minha falecida esposa. Mas agora sinto o peso da idade e da solidão. A velhice me diz que preciso de uma companhia. Encontrei uma moça da região do São Bento, que é trabalhadeira, bem limpinha, respeitadora e dedicada. Estou pensando seriamente em casar. O que você acha, amigo velho?
Sem alterar o semblante nem mudar de posição, Seu Martinho respondeu:
– Eu vejo seu casamento meu amigo, assim como quando a gente compra um sapato novo e ele tá um pouco apertado. A gente precisa dar pra outra pessoa calçar e amaciar pra só depois a gente usar.
Seu Anibal fechou a cara, se despediu e o casamento nunca aconteceu.
Por Omar Torres
Memorialista curaçaense e Administrador