Curaçá Oficial

Crônica: A valentia de Elias de Fortunato

A história de Curaçá é enriquecida pela presença de admiráveis personagens populares que resistem ao esquecimento, mesmo após muitos deles terem nos deixado há décadas. As segundas-feiras, dia da feira da cidade, eram especiais porque era o dia de encontra-los no mercado, nas ruas, armazéns ou bares da cidade. Quem é do meu tempo sabe que avistar pelas ruas, Apriginho do Caboclo Aprígio Julinho da Melancia, Zé Pintor, Quizinho, Conceição, Coruja, João de Mãe Sérgia e Elias de Fortunato, por exemplo, era a certeza de um acontecimento inesperado ou, no mínimo, de boas gargalhadas.

Hoje quero lembrar especialmente de um deles: Elias de Fortunato.
Criado por Fortunato Lopes, Elias era um homem de forte compleição física, dotado de admirável coragem para todos os enfrentamentos da vida. Por onde andou se destacou com ações viris e desassombradas. Desde a extenuante tarefa de transportar pesados toros de madeira pelo Rio, cuidar de um eito de roça ou mesmo enfrentar um valentão, era, para o destemido Elias, motivo da mesma disposição e alegria.

Certa vez, no meio de uma sombria madrugada, Elias atravessava a escura e perigosa ponte que liga Juazeiro a Petrolina. Três bandidos lhe abordaram dizendo para ele lhes entregar o dinheiro e o que de mais valor tivesse. Ele os desafiou dizendo:
– O que tenho ganhei com o meu suor. Não foi roubado, não. Se vocês quiserem venham buscar.
Os bandidos o cercaram, sendo que dois deles empunhavam grandes peixeiras e o terceiro, um porrete de madeira. Elias os enfrentou de mãos limpas.
No amanhecer do dia, ele chegou na casa da sua irmã de criação e madrinha, Nilza Lopes, com profundos cortes nas mãos e na cabeça e a roupa toda suja de sangue. Para a madrinha assustada ele detalhou o acontecido.

– Eu até tava me divertindo com a brincadeira minha madrinha. Mas quando vi o mel (sangue) descer nas mãos, ai fiquei com raiva. O primeiro que peguei com jeito, eu joguei dentro d’água. (Cerca de 5 metros de altura)

E gargalhando sonoramente concluiu a narrativa:
-Se não sabia nadar, eu acho que ele morreu, minha madrinha! Os outros dois covardes fugiram!

Das cenas mais marcantes gravadas na minha memória, estão as imagens de Elias, nos dias de feira, esforçando para se equilibrar bêbado em cima de um burro, entrando em armazéns e bares de Curaçá, batendo com força o chicote nos balcões de madeira e gritando:
– Eu tô desmantelando o mundo. Deus que fez e que é o dono dele, amanhã que conserte!

Jamais vi afirmação tão convicta e convincente.

Por Omar Torres, popular Babá

Memorialista curaçaense e Administrador

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