Durante um largo período da história recente de Curaçá o Bar de Abílio, foi o local preferido para o aperitivo do almoço, a conversa amiga e descontraída, os variados comentários sobre a vida das pessoas e as tacadas de “sinuca” para matar o tempo.
O prestígio do bar, não estava na excelência do serviço, nem no conforto das instalações. O centro de tudo era o próprio Abílio Gomes. Ele se constituía no ponto convergente, aglutinador e prazeroso do local.
A reduzida audição (talvez fosse isso) garantia aquele permanente bom humor, a contagiante serenidade e a interminável paciência e simpatia com os contumazes bêbados de cada dia.
Nas várias horas do dia o Bar de Abílio era habitado por diferentes tipos. Poucos bêbados circulavam em todos os horários e eram bem aceitos pelos diferentes tipos de cada grupo. Bode Rouco, era um desses. Batizado Ailton, ele trazia ainda junto à sua figura a presença do pai, quando lhe chamavam Ailton de Raimundo Preto. Mas, no geral, era mesmo o popular Bode Rouco.
De tanto viver no Bar de Abílio, até absorvera a simpatia e o jeito do próprio dono do bar. Calmo, sereno, sorridente e bem humorado, era como se encontrava Bode Rouco todo dia encostado no balcão ou executando alguma pequena tarefa determinada por Abílio. Certa vez, os primeiros usuários do dia, estranharam quando Bode Rouco entrou apressado, visivelmente mau humorado e xingando muito. Todos se voltaram para ele, que continuou xingando indiferente aos olhares interrogadores.
– Desgraça! Peste!
Fi do cabrunco! Como pode uma p… dessas?
Mais de um dos presentes perguntou ao mesmo tempo:
– o que foi Bode Rouco? O que fizeram, que você tá tão revoltado?
– Rapaz, vou contar: eu sonhei que encostei nesse canto do balcão e gritei: Seu Abílio, bote aí um copo de cachaça. Ele encheu o copo de Caribé, chega derramou por cima. Aí eu pedi: me dê uma banda de limão. Ele foi naquela mesa, cortou o limão e quando se virou pra mim, eu acordei. Não é uma desgraca? Por que eu não tomei a cachaça pura…sem o limão. Perdi um copo cheio…
Percebendo todo o enredo, Seu Abílio encheu um copo de cachaça e botou na frente de Bode Rouco dizendo:
Tome esse aí pra passar a raiva, senão vai lhe fazer mal.
Bode Rouco segurou o copo na mão, abriu um largo sorriso e virou a aguardente goela abaixo, sem limão ou tira-gosto qualquer.
Por Omar Torres, popular Babá.
Administrador e Memorialista Curaçaense