Martiniano Carvalho, era proprietário da bem situada fazenda Malhada de Pedra. A situação de penúria que vivia e a pobreza que demonstrava, contrastavam com as suas conhecidas posses. As pessoas comentavam e criticavam as suas atitudes sovinas e ele não parecia se importar com o que falavam.
Contam que certa vez, o sobrinho Hermógenes dormiu na Malhada de Pedra e acordou com os primeiros movimentos de gente na casa. Levantou e acompanhou o tio Martiniano até o curral cheio de vaca parida. Percebendo que tinha muito leite, retornou em casa e pegou uma tigela grande onde botou farinha. No curral, arreou uma vaca e começou a tirar o leite diretamente na tigela. Estava fazendo um nutritivo “zupi” para alimenta-lo logo depois. A tigela não tava nem pela metade quando ouviu às suas costas a voz esganiçada do tio.
– Ô “Hermorge”, você tem alguma vaca nesse curral?
– Não, meu tio. Só vou comer um zupi – respondeu.
– E então! Se você não tem vaca, como quer comer zupi!
Chateado, Hermógenes nada disse. Desarreou o bezerro da mão da vaca, saiu em silêncio e de cabeça baixa, deixou a tigela em cima de uma mesa e foi embora amuado.
Muito tempo depois, vinha Hermógenes passando numa várzea, montado num jegue. As lagoas estavam quase totalmente secas e a lama visguenta era um perigo para os animais que a necessidade obrigava a beber a água lamacenta no seu centro. De repente, ele ouviu uns gritos:
– “Hermóge, ô Hermóge!!! Acuda aqui hômi.
Era o tio Martiniano, desesperado com uma vaca atolada que, certamente, morreria se não fosse retirada dali.
– Meu fio, me ajude a desatolar essa vaca, senão ela morre.
– Tá bom, meu tio. Vamos tirar ela – respondeu já descendo do jegue e arregaçando as pernas da calça.
-Como eu tenho mais força, vou levantar a parte de trás e o senhor puxa as pontas, que ela sai.
Se abaixou na lama, meteu o ombro e alavancou ora cima o peso da vaca. Seu Martiniano puxou e já estavam quase conseguindo tirar a vaca do atoleiro quando Hermógenes soltou de vez e ela afundou novamente.
– Diacho! Se eu não tenho vaca atolada, o que eu quero desatolando vaca dos outros?
Montou no jegue e seguiu o seu caminho indiferente aos clamores do tio que um dia lhe negara um zupi.
Por Omar Torres, popular Babá
Administrador e Memorialista curaçaense