Curaçá Oficial

Crônica: Quando me dão, eu guardo. Quando pedem, eu devolvo

Na semana passada contei o caso em que Hermógenes esperou pacientemente ano após ano para devolver ao tio Martiniano Carvalho o desaforo que dele recebera. O seu irmão Ricardo Paixão, também agiu de forma igual em outro episódio, confirmando que eles sabiam o valor do ensinamento transmitido pelos mais velhos, que dizia: Quando me dão eu guardo. Quando pedem eu devolvo.

Num certo dia de feira, Ricardo Paixão entrou no armazém de Antonio Benvindo e encostado no canto do balcão, com o alforge no ombro e um saco na mão, esperou que o dono da bodega atendesse os fregueses que já estavam lá. Quando recebeu atenção falou baixo e bem próximo ao amigo.

– Antônio, não recebi um dinheiro que esperava receber. Você confia me vender uma feira fiado até a outra semana?
– Sem dúvida, Ricardo. Diga o que quer – respondeu solícito o vendião.

Ricardo Paixão pediu o necessário para alimentar a família durante a semana. Com as mercadorias em cima do balcão se informou quanto importava a compra e reafirmou que pagaria na segunda-feira seguinte. Calmamente acomodou os mantimentos no alforge e no saco, agradeceu a confiança e saiu. Ia pela calçada quando ouviu que gritavam o seu nome:

– Ricardo! Ô Ricardo! Me espere.
Era Antonio Benvindo que vinha avexado.
Parou em frente a Ricardo Paixão e sem arrodeios foi logo dizendo:
– Ricardo, eu pensei melhor. Não vou vender fiado, não. Devolva as mercadorias.
Cabisbaixo, Ricardo voltou, recolocou tudo no balcão e saiu sem dizer uma palavra.
Alguns anos depois, passadas as enchentes do fim do ano, muita vazante na beira do rio boa pra plantio e Ricardo estava com uma roça bem situada.

Numa segunda-feira, andando na rua ouviu uma voz conhecida chamar seu nome. Era Antonio Benvindo.
– Ricardo, eu soube que você tem rama de batata?
– Graças a Deus, tenho muita, Antonio.
– Me venda uma carga.
– Ô Antonio, vá quarta-feira na roça e pegue o tanto que precisar – disse.
Nas primeiras horas da manhã do dia combinado, Antonio Benvindo chegou. Ricardo orientou onde cortar as ramas e até ajudou. A carga já estava bem arrumada no jegue e Ricardo estimulando.
– Bote mais, Antonio. O jegue é forte. Tá gordo.
E tome mais carga no lombo do jegue.
– Agora já chega, Ricardo. Quanto devo?
– Hômi de Deus, com esse tanto de rama que tem aí na roça, eu vou lá lhe cobrar. Vá com Deus!
Ajudou a amarrar bem a carga e ouvindo agradecimentos por cima de agradecimento, viu Antonio sumir na estrada.
A distante porteira de fora da roça já estava aberta, quando Antonio ouviu os gritos de Ricardo:
-Antonio! Ô Antonio, me espere.

Sem arrodeios Ricardo chegou e foi logo dizendo:
– Antonio, eu pensei melhor. Não vou mais lhe dar a rama não. Volte e devolva.
Em absoluto silêncio seguiram até a beira do rio onde a carga foi jogada no chão.
Tudo estava dito. Nada precisava ser acrescentado:
Quando me dão, eu guardo. Quando pedem, devolvo.

Por Omar Babá Torres, popular Babá

Administrador e Memorialista Curaçaense

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