Curaçá Oficial

Crônica: O encontro dos caminhões de Hermes Duarte e Inácio Pereira

Até os primeiros anos da década de 1970, quem precisasse sair ou chegar em Curaçá teria de se submeter aos desconfortáveis, porém necessários, caminhões da linha. Foram vários os caminhões utilizados no transporte de carga, animais e gente. Assim mesmo, tudo misturado na carroceria. Eles eram identificados pelo nome do proprietário: era o caminhão de Donizete, de Inácio, de Hermes Duarte, de Pedro Onias, de Jaime Dantas e por algum tempo, na década de 1960, a luxuosa perua de Heitor.

A saída de Curaçá acontecia às terças-feiras antes da barra do dia clarear, com retorno de Juazeiro nas quartas-feiras por volta das 02hs da tarde.
Nos primeiros tempos, era obrigatório a breve parada “técnica” na Fazenda Boqueirão, para uma saidinha aos matos para aliviar a bexiga, com os homens indo para um lado e as mulheres para o outro, porque sanitário naquele tempo era um luxo de difícil acesso até nas cidades. Lá também era possivel quebrar o jejum com cafe e bolo. Posteriormente, a parada foi antecipada para o “Cacete Armado” a pequena bodega de Martiniano.

Voltando às paradas na fazenda Boqueirão, era comum os caminhões de Hermes Duarte e Inácio Pereira chegarem no mesmo instante e os seus proprietários serem atendidos juntos no café servido pelos donos da fazenda. Inácio Pereira, sempre reclamava que o café estava frio. A crítica repetida toda semana, por meses a fio, incomodou Hermes Duarte que planejou uma lição no “mal agradecido”.

Certa vez, em tempos de chuvas, Hermes Duarte chegou um pouco antes e ficou sabendo que o Riacho estava botando água e naquele momento não daria para os caminhões atravessarem. Entrou na casa, se serviu de café e colocou o bule de volta na chapa quente do fogão. Com o seu café na xícara esperou a chegada de Inácio. Esse, quando chegou, entrou apressado, comentando que o riacho já estava dando passagem e perguntou pelo café frio. Hermes pegou o bule no fogo e sem que Inácio percebesse colocou o café na xícara de Inácio e gritou:

– Vamos andar ligeiro que o riacho já está dando passagem. E imediatamente virou a sua xícara de café na boca. Inácio, acostumado com o café sempre frio, descuidadamente fez igual. O café, fervendo naquele instante, queimou que despreendeu a pele da boca. Pulando de dor, ele jogou o café fora enquanto viu Hermes rindo desbragadamente da própria maldade.

– Ô Hermes, você pra Lampião não falta nada.

Isso foi tudo que conseguiu dizer naquele instante.

Por um longo período os caminhões não pararam na mesma hora na Fazenda Boqueirão, nem os seus proprietários se falaram.

Por: Omar Torres, popular Babá

Administrador e memorialista curaçaense

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