O povo nordestino desenvolveu ao longo dos anos a arte de criar fantasias como contraponto à dura realidade do espaço árido onde trava a luta diária pela sobrevivência.
Perigos vencidos por heróis imbatíveis fazem parte do imaginário de muitos catingueiros que, quase sempre, se auto promovem a esses heróis.
Na Curaçá de antigamente, Felix Lopes ou Felix Brabo se destacava como a mente mais criativa.
Inventava fantasiosas estórias que contava como reais e ficava aborrecido se alguém duvidasse da sua verdade.
Outro, mais recente, que se destacou na criação de estórias fantásticas foi João de Cazuza. Como Felix Brabo, não admitia que duvidassem do que contava.
Ele gostava de relatar o episódio em que certa tarde selou uma burra, botou os couros e saiu para campear um gado. Umas nuvens escuras e bem carregadas pareciam muito longe e não indicavam chuva onde ia campear. Não tinha andado nem uma légua, quando percebeu que as nuvens escuras foram tangidas por fortes rajadas de vento e já estavam sobre a sua cabeça a derramarem intensa chuva e violento temporal. Assustadores trovões ribombavam em respostas aos relâmpagos que riscavam os céus com tal intensidade que os clarões foram capazes de assustar a burra que empacou. Os ventos açoitavam as copas das árvores e faziam tudo parecer ainda mais assustador.
Procurou abrigo embaixo de uma baraúna grande e esperou pacientemente a chuva passar.
Quando isso aconteceu, se deu conta que o turvo da noite cobriu o dia, que não tinha mais condição de campear e tomou o rumo de casa.
Vinha pensativo e descuidado, quando a burra estancou repentinamente antes de uma frondosa quixabeira por onde tinham de passar quase embaixo. Não adiantou chicotear nem esporar a burra que ela não seguia pra frente.
Disse João que desceu da montaria e segurando o cabresto na mão foi olhar cautelosamente o que estava apavorando o animal a ponto de paralisá-lo.
Vislumbrou uma “coisa” próximo ao tronco da quixabeira. Era um vulto que não conseguiu identificar. A “coisa” era um volume escuro, sem forma e não se mexia. Esperou um tempinho e não percebeu nenhum movimento, ruído ou cheiro que desse uma pista do que era.
Sentiu-se desafiado a descobrir o mistério. Como contar em casa e nos vizinhos que viu uma “coisa” e não sabia contar o que era?
– Tenho de ver de perto, pra contar de certo, pensou.
Afastou-se até um pereiro grande e com o facão tirou uma vara comprida, afinando bem a ponta. Empunhou a vara como uma guiada e se aproximou cautelosamente até a distância que poderia cutucar a “coisa”. Após breve hesitação, com a vara à frente do corpo, deu um pulo pra adiante e a enfiou na “coisa”.
Nesse momento ouviu tão forte estrondo que prejudicou as suas oiças por vários dias.
– Era um trovão que tinha caido e não tinha pipocado – dizia João, olhando no fundo dos olhos de quem o ouvia, pra sentir se alguém ousava duvidar da sua palavra.
Por Omar Torres, popular Babá
Administrador e Memorialista Curaçaense